Por André Naves
Há pouco mais de uma década, tive a honra de me sentar à mesa com mentes e corações brilhantes para tecer os fios de uma das mais transformadoras legislações do nosso tempo: a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Hoje, ao olharmos para o caminho percorrido, vemos os frutos, mas também a longa estrada que ainda se desdobra à nossa frente.
Muitos conhecem a Lei Brasileira de Inclusão por sua manifestação mais visível: a garantia de direitos das pessoas com deficiência. Contudo, seu grande salto de consciência não foi criar um catálogo de direitos para um grupo, mas sim mudar o foco da lente: a questão não está no indivíduo, mas nas barreiras que nós, como sociedade, erguemos.
A Lei Brasileira de Inclusão nos ensina que cada ser humano é um universo de singularidades, um conjunto de potencialidades e, também, de “impedimentos”, como a lei delicadamente chama nossas limitações. A deficiência, portanto, não é uma condição intrínseca da pessoa, mas o resultado doloroso do choque entre essas características individuais e as barreiras – materiais e imateriais – que pavimentam nosso mundo. Quando isso acontece, a exclusão nos contamina, e a sociedade inteira adoece. Perdemos todos. Perdemos ideias, afetos, inovações e a riqueza que só a tapeçaria completa da humanidade pode oferecer.
E que ninguém se engane: as rampas que faltam e as calçadas quebradas são apenas a face mais visível do problema. As barreiras verdadeiramente nefastas são invisíveis, erguidas com o cimento do preconceito e da atitude capacitista. São os muros do olhar que julga, da impaciência que descarta, da sensibilidade que falta. É por isso que a essência da LBI é um convite à convivência. Seus pilares – Educação, Trabalho, Cultura, Esporte, Lazer, Participação Política – não são fins em si mesmos. São convites sagrados para o encontro, onde, lado a lado, podemos desmontar os muros do preconceito e permitir que cada indivíduo se torne o verdadeiro protagonista de sua história.
Nestes anos, vimos avanços notáveis. A Inclusão é um tema mais presente, e a dignidade de muitas pessoas foi resgatada. Mas não podemos nos sentar à beira do caminho, satisfeitos com a paisagem. A maior de todas as barreiras persiste, altiva e cruel: a desigualdade econômica e social.
A Lei Brasileira de Inclusão não é um ponto de chegada. É um mapa, uma bússola moral que nos aponta o Norte. É tempo de arar a terra da indiferença e semear, com ainda mais afinco, um Brasil onde todos caibam, e onde ninguém, absolutamente ninguém, fique para trás.

André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP.
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