Dois meses após o incêndio, comunidade ainda vive o drama da perda de 200 casas
Na manhã de sábado, 9 de julho de 2022, ocorreu um grande incêndio no Morro do Piolho, comunidade no distrito do bairro nobre Campo Belo, zona Sul da Capital, atingindo mais de 200 casas.
Completando dois meses do acidente, o Grupo Sul News, através do repórter Matheus Laube, visitou a comunidade para saber como anda a reconstrução de uma vida, recepcionado por alunos e o sensei do Projeto Kabuto, instituição que incentiva a prática de Karatê e outras artes marciais gratuitamente aos moradores da comunidade.
“O incêndio foi a um quarteirão da nossa sede. Cerca de 7 alunos nosso perderam suas casas”, explica o Sensei Danilo Santos. Graças as ações rápidas dos bombeiros, o fogo pôde ser controlado e evitou-se danos maiores. “Cerca de 50% da favela foi destruída. Tenho formação de bombeiro civil e prestei auxílio na retirada das pessoas de suas casas, que graças a Deus não teve nenhum ferido”, completa Danilo.
O drama de sentir a fumaça entrando na casa e o susto ao acordar pôde ser sentido por Jéssica Silva, de 29 anos e com 4 filhos crianças na casa. “Ouvi o pessoal gritado ‘fogo’ às 6h50 da manhã e quando fui ver o fogo já estava em cima da minha casa. Peguei apenas algumas roupas, mas perdi todos os móveis, tudo o que ralei para construir, e ainda estou desempregada”, desabafa.
Conversando com moradores locais, foi constatado que a Prefeitura disponibilizou um Auxílio-Aluguel no valor de R$ 400 para às vítimas, “mas fizeram somente o pagamento na semana do incêndio, nos outros meses não pagaram mais, por uma série de burocracias”, diz Jéssica.
Os alunos de Karatê, os irmãos Samuel e Daniel Leandro, revelam que acordaram no susto com a fumaça. “Quando senti o cheiro de queimado o coração acelerou e corremos para pegar as coisas e ajudar os vizinhos”, revela Daniel.
É comum lideranças políticas fazerem algum tipo de pronunciamento ou ação social quando acontece algo dessa magnitude, mas parece que 200 famílias desabrigadas não foi motivo de mobilização em pleno ano eleitoral. “Nenhum político veio nos visitar, lembro que em um incêndio com apenas 6 casas, veio a Prefeitura, mas desta vez ninguém se preocupou”, diz uma das moradoras que pediu para não se identificar.
Com o grande estrago, o Projeto Kabuto entrou para uma rede de solidariedade da comunidade, em prol do voluntariado e melhor ajuda possível às vítimas. “Criamos a Rede Espraiada, que é um conjunto de projetos sociais, para que todas as doações sejam feitas em um só lugar e possa ajudar a comunidade com roupas, alimentos, móveis e materiais de construção”, explica Danilo.
Infelizmente, muitas pessoas não possuem condições nem de irem morarem com familiares, por isso é possível notar algumas ruas acima do Morro do Piolho tomadas por barracos de lonas, cobertores, madeira, e outros materiais improvisados até a reconstrução das casas.
“Há uma parcela de vítimas que são acomodadas em viver do Auxílio-Brasil e Vale-Gás, a comunidade sempre recebeu grandes quantidades de doações de alimentos e cestas básicas, então nunca faltou comida, mas falta essa ambição pela vida”, diz Danilo, que também reconhece o esforço daqueles que estão reconstruindo por conta própria: “Fica cada um por si, no caso dos nossos alunos, fizemos uma vaquinha online, ao qual conseguimos um valor, baixo, mas que já deu para começarem as obras das casas.”
Toda a ajuda é bem vinda, durante a visita, o Grupo Sul News flagrou a Edjane dos Santos, de 52 anos, que tinha um bar na comunidade e que fechou para abrir uma cozinha comunitária! “Cozinho para meus filhos e para o pessoal dessas barracas que não tem fogão, a comida é toda doada e compartilhada”, revela Edjane.
Ainda na mesma rua, o grupo da Igreja Favor de Deus, presente em mais de 6 países e que possui sede na comunidade do Paraisópolis, zona Sul, estava doando cestas básicas para os moradores. Silvia Lee é uma das volutárias e contou que a Igreja já ajudava o Morro do Piolho há cerca de 1 ano. “Fazemos cultos a céu aberto voltado para as crianças e jovens, e através da palavra, ajudamos com doações de pães e cestas básicas.”
A moradora de um dos barracos improvisados na calçada, Telma Maria, desempregada de 55 anos, manda uma mensagem para a solidariedade: “Estamos precisando de ajuda para reconstruir nossas casas, nenhum político veio aqui, se puder nos ajude!”
Danilo afirma que existe uma dificuldade em manter a comunidade reunida por estarem “ilhados” sobre um bairro nobre. “Aqui não é um bairro periférico, como o Capão Redondo, por exemplo, por isso o acesso a alimentação e outros serviços voltados para a comunidade, simplesmente não existem. O nosso projeto é muito unido e forte por aqui!”
Você pode ajudar a reconstruir os lares de centenas de famílias, e dos alunos do Projeto Kabuto, fazendo alguma doação, seja de alimentos, roupas, materiais de obras ou em dinheiro, através da Rede Espraiada, a sua ajuda poderá reerguer algo que sozinho é impossível construir!
Daniel Leandro usa dos aprendizados do Karatê para lidar com as adversidades do incêndio: “O principal ensinamento do tatame é não desistir, afinal passamos por tudo aqui dentro da comunidade e vou parar por isso? Corre atrás, constrói sua casa de novo!”. E o irmão Samuel Leandro também incentiva: “O Danilo-Sensei é uma inspiração, ele sempre incentiva falando que o treino é difícil e na vida é pior, como aconteceu esse incêndio, a vida vai te bater, mas temos que levantar e continuar!”
Entramos em contato com a Prefeitura, Subprefeitura de Santo Amaro e a Secretaria Municipal de Habitação para saber sobre como os órgãos públicos estavam auxiliando os moradores.
Em nota, a Prefeitura respondeu:
“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), iniciou o pagamento do auxílio-mudança no valor de R$ 900 reais para os moradores do Morro do Piolho, que foram afetados diretamente pelo incêndio ocorrido no último dia 9 de julho. Já receberam o benefício 82 famílias.
O secretário municipal de Habitação, João Farias, esteve no local no dia da ocorrência e, desde então, tem mantido constante diálogo com os moradores por intermédio das equipes técnica, social, projeto de obras e regularização fundiária.
A SEHAB já estava desenvolvendo estudo para construir 800 unidades habitacionais na área. É importante ressaltar que toda e qualquer intervenção no local só será realizada em parceria e com o apoio da comunidade.
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) informa que, após a liberação da Defesa Civil, a equipe da Coordenação de Pronto Atendimento Social (CPAS) atendeu as famílias atingidas pelo incêndio.
A SMADS prestou atendimento para 219 famílias que receberam itens de primeira necessidade. Foram distribuídos 693 colchões, 688 cobertores, 247 cestas básicas, 247 kits de limpeza e 694 kits de higiene. Nenhuma família aceitou acolhimento nos equipamentos da rede socioassistencial da Prefeitura.
A pasta ressalta que, após o incêndio, uma unidade móvel do CadÚnico ficou por cinco dias no distrito do Campo Belo, na zona sul, próximo ao local da ocorrência, e realizou o cadastro de 374 famílias. O CadÚnico é a porta de entrada para diversos programas de transferência de renda como Auxílio Brasil, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Benefício Eventual e Renda Mínima.
A Subprefeitura Santo Amaro ainda realizou a limpeza de 183 toneladas de detritos e a desobstrução do local impactado pelo incêndio.”
SUGESTÕES DE PAUTA: [email protected]